27 maio 2008

Resenha : "Tempo de Resistência" de André Ristum


O golpe de 1964, dando origem a uma Ditadura Militar arrastada por duas décadas, é observado “de A a Z”, como define Leopoldo Paulino, autor do livro homônimo que deu origem a Tempo de Resistência. Trata-se de um filme todo concentrado em relatos de ex-militantes cujas memórias ainda estão voltadas aos períodos pós-64, passando ao ápice da resistência em 68 e, neste mesmo ano, a criação do AI-5. Foi a época de Terra em Transe e Macunaíma, no Brasil; de A Chinesa, na França; pouco depois, de Sem Destino, este, por sua vez, lançado nos Estados Unidos. Foi um momento, igualmente, que se presta a ser visitado – entre outras coisas, incluindo o pedido dos ex-militantes para que os arquivos da Ditadura sejam expostos, assim, talvez, dando uma real escala das atrocidades da época.


O documentário, de André Ristum, dissolve seus diálogos não em um clima de despedida; desmonta-se o período apoiando-se no sentimento dos participantes e impedindo que tudo caia num típico dramalhão de lembranças. Menos articulado em relação a Cabra Marcado para Morrer (e isso pode ser explicado pelo fato de Eduardo Coutinho se posicionar frente às câmeras em muitos momentos e sempre mantê-la em pleno movimento), o filme de Ristum contra suas entrevistas numa seqüência cronológica, assim como ótimas imagens e arquivos da época. Antes, acredita-se, nenhum trabalho cinematográfico sobre o assunto conseguiu ser tão completo em relação a depoimentos (algumas histórias de antigos militantes são totalmente inéditas) e brindar com tão plena austeridade a face patética das autoridades engravatadas, de palanques, quando surgem se conclamando após o golpe. Certamente a validade do documento também reside nas histórias voltadas ao interior do estado de São Paulo, mais especificamente em Ribeirão Preto, onde Paulino, hoje vereador, vive, e, como ele próprio recorda, “local que eu não pude aparecer quando voltei do exílio, no Chile”.


Entre os entrevistados estão importantes vozes da esquerda. Entre eles Franklin Martins, Carlos Russo, José Dirceu, Aloysio Nunes e outros. O próprio cineasta Ristum teve sua vida particular envolvida com o golpe. Sua família teria sofrido com o momento e teve de deixar o país, o que o levou ainda mais a querer dirigir o longa. Entre outros trabalhos, o diretor teve a oportunidade de dividir o set de filmagem com Bernardo Bertolucci, no filme Beleza Roubada. Casualidades à parte, Bertolucci, como na frase de Dirceu aqui mostrada – “Sou da geração de 68, sou filho da geração de 68” –, é o típico “meia-oito” esforçando-se para reviver o momento, como tem mostrado no recente Os Sonhadores.


Com a saída de João Goulart, devido ao golpe de estado, o país viu-se afundado num regime autoritário e, inegavelmente, colhendo frutos do ensino americano. Como o documentário não poderia deixar de fora, estão os ataques aos métodos de ensino instituídos, as mortes dos companheiros militantes, a briga contra a policia armada e a cavalaria na rua (inclusive mostrando a policia fugindo da multidão) e o raio-x da tortura. Os depoimentos são de pessoas que viveram a dor e sobreviveram a ela. Há, também, depoimentos sobre os líderes da esquerda mortos pela oposição, como Che Guevara, executado na Bolívia, e Carlos Lamarca, morto por torturadores no sertão baiano. “Eu confesso a você que nem a tortura foi mais forte que a notícia da morte de Lamarca”, confessa o entrevistado Darci Rodriguez.


Diretamente ligada às necessidades do capital, servindo e se servindo da burguesia conservadora, a Ditadura Militar mostrou-se um período onde matar não era mais do que um pequeno esforço para deixar fluir o sistema como “se desejou”. Um sistema, entre outras coisas, responsável por ceifar a vida de milhares de pessoas. Mas, a exemplo da saída dos Ingleses da Índia, os militares perderam espaço quando a necessidade da implantação de uma democracia mostrou-se maior. Vários militantes, exilados em paises da América Latina ou Europa, voltaram para casa. Paulino, na época exilado no Chile, assistiu de perto a tomada do poder por Pinochet e a instituição de uma ditadura tão sangrenta quanto a brasileira. Nasceu, junto de um sentimento mórbido, por não ter morrido junto de seus companheiros, a necessidade de escrever um livro sobre os eventos. Tempo de Resistência ganhou as telas e, inclusive, também fora encenado como musical. Uma bela oportunidade para a nova geração conhecer os horrores e os heróis do passado.



Por Rafael do Amaral Reis

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